* Nº 0443 - O CONTRATO ENFEITIÇADO - CONTO FANTÁSTICO
Havia uma ilha nas águas da Princesa, rodeada por águas verdes no verão e com uma densa vegetação de ajirús, onde animais como o guará, a garça e a mucura viviam em perfeita harmonia. Os dias eram cheios de vida, com frutas abundantes e uma sinfonia de sons naturais que vibravam no ar. No entanto, certo dia, uma inquietação tomou conta da ilha. As frutas começaram a escassear, e os animais, assustados, notaram que muitos de seus companheiros estavam desaparecendo misteriosamente. Era como se um véu de tristeza cobrisse aquele lugar outrora próspero.
Perplexos e preocupados, os animais mais velhos reuniram-se para discutir o que poderia estar causando aquele mal-estar. Após muita deliberação, chegaram a um consenso: precisariam buscar ajuda da feiticeira da ilha, uma figura enigmática que morava próximo a um lago encantado, escondido no topo de uma duna isolada. Mas a jornada não seria simples. A feiticeira era conhecida por sua desconfiança em relação a todos e por colocar obstáculos e desafios para proteger seus domínios. Com determinação, o guará, a garça, a mucura e outros animais partiram ao amanhecer e etraram em um dos Portais de Maya enfrentando desde tempestades até marés altas que ameaçavam arrastá-los de volta. Para atravessar os canais,detro do Portal, estes, improvisaram pontes de pau e cordas trançadas, enquanto a garça usava seu voo para transportar os animais menores, garantindo que todos conseguissem seguir em frente. Unidos, venceram cada adversidade e finalmente chegaram ao refúgio da feiticeira, exaustos, mas decididos.
A feiticeira, ao vê-los, os recebeu com uma frieza cortante. Seus olhos cintilavam sob o manto esvoaçante, e sua voz ecoou entre as árvores como um trovão. "Vocês sofrem as consequências da própria imprudência," declarou com desdém. "A falta de respeito com a natureza trouxe este caos. Nada se restaura sem um sacrifício." Os animais se entreolharam, confusos e inquietos. Eles não sabiam que a natureza se ressentia de suas ações, mas estavam dispostos a restaurar o equilíbrio perdido. A feiticeira, então, lhes propôs um desafio: deveriam plantar uma árvore mágica, uma semente encantada, e nutrir sua vida com água retirada da Pedra Chorona, uma fonte secreta escondida na distante Ilha de Mayandeua. Aceitaram a tarefa sem hesitar e partiram novamente, ainda que a jornada fosse cheia de perigos e incertezas. Com isso retornaram para casa. Assim, ao plantar a árvore e regá-la com a água da Pedra Chorona, algo extraordinário começou a acontecer. Lentamente, o solo seco foi ganhando vida; frutos brotavam nas árvores ao redor, e o mangue, outrora vazio, encheu-se de criaturas que antes haviam desaparecido. A ilha florescia novamente, e os animais comemoraram o retorno da abundância. Mas o acordo com a feiticeira ainda não havia terminado. Ela apareceu ao grupo de animais, impondo uma última condição: um deles deveria se tornar seu intermediário, uma ponte entre seu poder e os mistérios da natureza, encarregado de levar mensagens e objetos mágicos.
Assim, em sorteio, foi escolhido o guará, que, resignado, aceitou o papel. Sob os olhares solidários dos outros animais, ele se comprometia a servir a feiticeira, prometendo realizar as tarefas designadas. Para garantir que a árvore mágica ficasse protegida, o grupo a cercou de galhos secos, folhas e pedras, dificultando o acesso aos curiosos, especialmente aos humanos, que não poderiam jamais encontrar aquela fonte de poder. O tempo passou, e o guará cumpriu fielmente seu papel. Mas, aos poucos, rumores sinistros começaram a surgir. Outras feiticeiras, parentes da primeira, estavam se unindo com um propósito sombrio: desejavam controlar as ilhas vizinhas, exigindo que os animais locais servissem de intermediários e, aos poucos, transformá-los em escravos. No entanto, os planos das feiticeiras não passaram despercebidos. Um grupo de animais destemidos, liderados pelo astuto tatu e a corajosa garça Alba, iniciou uma resistência.
Com o tempo, aliados inesperados surgiram. Um grupo de humanos, habitantes de uma vila próxima, também se comprometeu a proteger as ilhas e a fauna. Eram pescadores e coletores de plantas, que honravam a natureza e reconheciam sua importância para a sobrevivência de todos. Unidos, animais e humanos enfrentaram as feiticeiras, desmantelando suas armadilhas e revelando suas verdadeiras intenções. Após uma batalha acirrada, em que muitos arriscaram suas vidas, conseguiram quebrar o feitiço da árvore mágica, desativando o poder sombrio que aprisionava as ilhas. Os animais, livres do pacto, dedicaram-se a cuidar da natureza com respeito, ao lado de seus novos amigos humanos. O guará, por fim, foi libertado de seu papel de intermediário, e a feiticeira original, vencida, partiu sem deixar vestígios.
Desde então, as ilhas prosperaram novamente, com uma relação renovada entre seus habitantes e a natureza. A magia sombria deu lugar à magia natural, e os animais aprenderam que, ao respeitar o equilíbrio de seu lar, garantiriam um futuro pacífico e sustentável para todas as criaturas.
- E assim foi aquele verão em Mayandeua!
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0443