O CIRCO DE MUITAS VIDAS Nº 0437 - CONTO

 




Literina era uma menina de olhos redondos como duas luas. Esses olhos refletiam a sua personalidade sensível, que sofria com as lágrimas causadas pela vida agitada e cheia de desilusões que levava com os seus pais no grande Circo “Lonas Abertas”. Desde pequena, ela acompanhou o trabalho duro de montar e desmontar a lona em vários estados do Sul do país. A garota de olhos azuis, que cresceu nas estradas, enfrentava a fome e as dificuldades junto com a sua trupe, liderada pelo seu pai desde os vinte anos. Ele era o seu herói e o seu contador de histórias, que lhe ensinava sobre a arte circense enquanto tomava o seu chimarrão. A cidadã tinha os cabelos curtos e esvoaçantes, que lhe davam um ar de flor selvagem. Ela era admirada pelos homens do circo, que a achavam uma bela prenda no meio daquele ambiente de magia e fantasia.

Quando completou dezoito anos, Literina teve que assumir o circo após a morte trágica do seu pai, que foi atacado pelos leões. Foram três meses de angústia, vendo os funcionários partirem, os animais morrerem e os processos judiciais se acumularem. O circo estava falido e Literina se sentia sozinha entre as lonas e os objetos antigos que guardavam as memórias do seu passado.

Sem saída, ela vendeu tudo o que pôde para o ferro velho, os caminhões, os carros e até os adereços dos espetáculos. Com o dinheiro que sobrou, ela comprou um apartamento no centro da capital gaúcha, tentando recomeçar a sua vida aos 20 anos. Depois de dois anos de muita luta nos escritórios de advocacia, Literina conseguiu resolver as suas pendências e se dedicou a escrever pequenos contos sobre a vida circense. Ela ainda tinha o sonho de estudar artes e se matriculou na universidade. Com muito esforço, ela se formou aos 26 anos e decidiu viajar pelo interior da Argentina e do Uruguai.

Ela levou apenas a sua mochila nas costas e partiu para conhecer novos lugares e novas pessoas. Em uma de suas andanças, ela encontrou uma família circense no Uruguai e se sentiu acolhida por eles. Ela voltou a se apresentar nos palcos e a sentir a emoção do circo. Mas depois de alguns anos, ela começou a ter saudades do seu pai e entrou em uma profunda depressão. Ela abandonou a família circense e resolveu voltar para o Rio Grande. Ela já não tinha mais a mochila nas costas, mas sim um carro cheio de malas e lembranças das suas viagens. A velha mochila ainda estava entre as suas coisas. Ela tomava remédios para dormir e se sentia cansada da vida. Sem olhar para trás, ela pegou a estrada em direção à sua terra natal.

O tempo passou e ninguém mais soube da vivente. Anos depois, uma notícia surpreendeu os antigos amigos de Literina. Ela foi vista pela última vez em uma embarcação nas águas da Amazônia, com uma criança de colo. Segundo alguns relatos, ela decidiu residir em alguma ilha, pois cansada de tantas coisas, comprou uma pequena embarcação e casou-se com um pescador. Ela vive nas proximidades de Mayandeua com os seus dois filhos, longe de tudo e de todos. Ela encontrou a paz que tanto procurava na natureza e na simplicidade. Ela ainda guarda a sua velha mochila, onde guarda os seus contos e as suas recordações do circo. Ela ainda tem os olhos redondos como duas luas, mas agora eles brilham com a felicidade de quem encontrou o seu lugar no mundo.


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº  0437 




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