*Nº 0110 - DIÁRIO DE UM MERGULHÃO - SÉRIE : CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 


Querido diário,

Nasci no período das chuvas, quando o céu chora suas bênçãos sobre a terra. E aqui estamos nós, mais uma vez voando em bando, como folhas levadas pelo vento. Muitos dos meus irmãos permanecem nas galhadas do mundo, mas eu, Zé Gulhão, sempre retorno ao calor de Camboinha e às brisas suaves de Algodoal e Mayandeua. Nos meses de verão, aqui nos encontramos, conhecidos pelos currais e pelas margens dos moradores locais. Aqui ficamos, de asas abertas, contemplando o movimento das marés, os barcos que passam e o tempo que flui lentamente.

Para alguns, somos biguás, patas d’água, corvos-marinhos ou biguaúnas. Mas prefiro "Zé Gulhão", um nome que carrega simplicidade e força,  como o próprio vento que acaricia estas terras. Gosto de sentir esse vento enquanto planamos sobre as águas, observando o mundo lá de cima. É uma sensação de liberdade que poucas criaturas podem entender.

Hoje foi um dia especial. Mergulhei nas profundezas do mar e encontrei um universo de maravilhas. Vi peixes coloridos dançando entre corais brilhantes, estrelas-do-mar repousando no fundo arenoso, tartarugas nadando com graça, golfinhos brincalhões e até um tubarão majestoso. Não senti medo dele; ele apenas sorriu para mim, mostrando seus dentes afiados como quem diz: "Este é meu domínio, mas você é bem-vindo." 

Gosto de mergulhar porque me sinto livre e feliz. Graças às minhas brânquias, posso respirar debaixo d'água; graças às minhas nadadeiras, posso deslizar rapidamente; e graças aos meus olhos grandes, posso admirar cada detalhe da vida marinha. Sou um mergulhão, e tenho orgulho disso.

Mas nem tudo no mar é beleza e harmonia. Hoje também vi coisas que entristecem meu coração. Vi lixo boiando na superfície: garrafas plásticas, latas enferrujadas, sacolas que parecem fantasmas presos na correnteza, até mesmo uma máscara descartada. Vi animais presos em redes e anzóis, sofrendo silenciosamente, lutando contra algo que não compreendem. Vi manchas de óleo e esgoto poluindo a água cristalina, envenenando a casa de tantos seres vivos.

Fico triste ao perceber que isso é resultado da negligência humana. Eles não cuidam do mar, que é o berço de incontáveis vidas. Eles não respeitam a natureza, que é a fonte de toda existência. Eles parecem indiferentes ao futuro, que será o destino de todos nós.

Eu gostaria que os humanos fossem mais conscientes e responsáveis. Que parassem de jogar lixo no mar e reciclassem o que pudessem. Que reduzissem o uso de produtos químicos e buscassem alternativas naturais. Que protegessem os animais marinhos, em vez de caçá-los ou explorá-los. Que preservassem os corais, esses jardins subaquáticos tão cheios de vida. Que cuidassem das praias, nossos lares temporários, com o mesmo carinho que dedicamos às nossas penas.

Escrevo estas palavras com esperança. Sonho com um mundo onde humanos e natureza possam conviver em harmonia, onde o mar seja limpo e vibrante de vida, onde as gerações futuras possam testemunhar a beleza que vejo todos os dias. Enquanto esse sonho não se realiza, continuarei voando e mergulhando, aproveitando cada momento e espalhando minhas asas ao vento de Algodoal e Mayandeua.

Assim continuo a sonhar...

Que um dia:

- O mar seja limpo e saudável novamente.

- Eu possa mergulhar sem encontrar nada triste ou feio.

- Nós, aves e humanos, possamos viver em paz e harmonia.

Esse é o meu sonho, querido diário. E eu vou lutar por ele, mesmo que minhas armas sejam apenas minhas asas e minha voz.

Nosso bando partirá para outros recantos em breve, mas até lá ficaremos aqui, de asas abertas, neste paraíso chamado Camboinha. Até mais, querido diário!

Com um abraço molhado do seu amigo mergulhão.  

- Inté diário!

 

FIM

 Copyright de Britto, 2020

Projeto Literário e Musical Primolius N° 0110

Mensagens populares