* Nº 0387 - DIÁRIO DE UM CARANGUEJO-ERMITÃO - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Ele dormia ao som das águas que, suaves, acariciavam a praia. Era um enigma para ele como aquele murmúrio o acalmava nas noites mais quentes e solitárias. Sentia-se dividido entre o anseio de explorar o mundo e o temor de abandonar seu refúgio. Nos sonhos, ouvia vozes e gritos que o chamavam à vida, mas também o assustavam com sua intensidade.
Ao despertar, caminhava pela areia, desenhando com os pés formas que só ele compreendia. Escrevia versos ao vento, confiando seus segredos à brisa passageira. Sabia que as ondas levariam suas palavras para longe, mas isso pouco lhe importava. Só queria dar vazão à sua metade poética, àquela parte incompleta de si mesmo.
Olhava para o horizonte e sentia um mistério que o atraía e intimidava. Perguntava-se o que haveria além daquele mar, além daquele céu infinito. As estrelas pareciam-lhe fragmentos da vida, sinais de um destino maior. Chorava em silêncio, tomado por emoções contraditórias: angústia, esperança, saudade. Desejava que o sono trouxesse consigo um novo sol, uma luz diferente.
Sabia que a noite era feita de palavras, histórias e sonhos. Sentia o mar transbordando em seu peito, inundando seus sentimentos. Percebia-se novamente sozinho, sem ninguém com quem compartilhar suas dores e alegrias naquele espaço imenso.
Buscava nos cheiros, nas cores e nos pensamentos uma forma de aliviar sua sina. Guardava em um velho caderno — um livro de vento — suas memórias, fantasias e confissões. Via as páginas em branco como um desafio, uma oportunidade de criar uma nova realidade. Dedica seus versos a uma imagem que nunca conheceu nem viu, mas que imaginava dançando em um bolero de ondas.
Desejava que suas palavras anunciassem um novo alfabeto, uma nova linguagem, uma maneira diferente de se comunicar. Queria que elas fossem ouvidas, compreendidas, amadas. Sonhava que pudessem ser a ponte entre sua metade e aquela outra metade que tanto buscava.
E lá na frente... aquele diário e o infinito Mar de Mayandeua permaneciam como testemunhas silenciosas de sua jornada.
- Longos caminhos... Sempre!
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0387