* N° 0107 - BACURIZAL - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Diziam nas redondezas que Loureiro era casado com uma entidade da mata, uma daquelas figuras invisíveis que habitam o coração da floresta e que poucos ousam desafiar ou compreender. Todo santo dia, lá estava ele, passeando por entre a flora e a fauna, conversando sozinho, como se falasse com alguém que só ele enxergava. As pessoas que cruzavam seu caminho logo percebiam que sua ligação com a natureza era profunda, quase mística. Mas essa estranha relação começou de forma inusitada, quando ele ainda era jovem.
Tudo começou após um encontro infeliz com um animal peçonhento. Dizem que a picada fora tão severa que todos pensaram que ele não passaria daquela noite. Febril e à beira da morte, a família se preparava para o pior. Foi então que algo inexplicável aconteceu: uma casca de coco, contendo ervas misteriosas e sementes desconhecidas, apareceu na soleira da porta. Ninguém soube dizer de onde aquilo veio.
A avó de Loureiro, uma senhora sábia e conhecedora dos segredos da natureza, teve um lampejo de memória. Ela já tinha visto algo assim em seus tempos de juventude, em algum ponto perdido no tempo. Sem pensar duas vezes, ordenou que fizessem um chá com os elementos contidos na casca. A mistura era pungente e aromática, enchendo a pequena casa de palha com um perfume ancestral. Depois que Loureiro bebeu o chá, adormeceu profundamente por horas, como se estivesse envolto nos braços invisíveis da floresta.
Quando acordou, não era mais o mesmo. A partir daquele momento, algo nele mudara. Dizem que foi entregue aos cuidados da mata, como se seu destino estivesse para sempre entrelaçado com aquele lugar selvagem. Loureiro, já crescido, acostumou-se a viver em completa harmonia com a natureza. Sua relação com a floresta se tornou tão íntima que muitos o chamavam de "o homem que casou com a mata". E, quando alguém o questionava por que nunca havia se casado de fato, ele respondia de maneira simples, mas firme:
— Eu já sou casado. Minha esposa é a mata. Ela me protege, me alimenta e me dá tudo o que preciso. Por que eu precisaria de mais?
Os mais supersticiosos da região afirmavam que havia algo a mais nessa união. Diziam que, nos dias de sol baixo e vento sussurrante, era possível ver um vulto espreitando atrás de Loureiro, como se uma presença invisível o acompanhasse. Curiosamente, essa aparição era mais frequente durante a época dos bacurizeiros, quando os frutos amadureciam e exalavam seu doce perfume pela mata. Era quase como se a mata, em sua forma espiritual, se manifestasse para ele nesses momentos de fartura.
A vida seguiu seu curso, e Loureiro continuou com seu jeito simples e solitário. Até que, um dia, ele entrou na mata como sempre fazia — mas nunca mais voltou. O tempo passou, e as pessoas da vila começaram a estranhar sua ausência. Organizaram uma busca, mas tudo o que encontraram foi seu velho chapéu e a bengala de madeira, abandonados debaixo de um bacurizeiro carregado de frutos maduros. Era como se ele tivesse desaparecido sem deixar rastros, como se a mata, sua fiel companheira, tivesse finalmente decidido levá-lo para sempre em seus braços.
Alguns dizem que Loureiro se fundiu com a mata, tornando-se parte dela, vivendo em alguma dimensão desconhecida, onde só aqueles que a mata escolhe podem entrar. Outros afirmam que ele se transformou em espírito guardião, velando pela floresta e por seus mistérios. E há também os que garantem que, nas noites de lua cheia, é possível ouvir sua voz sussurrando entre as folhas, como se estivesse conversando, mais uma vez, com a entidade que um dia lhe salvou a vida.
Assim, o mistério de Loureiro perdura até hoje, ecoando entre as árvores e os animais que ele tanto amava. O homem que casou com a mata não foi esquecido, pois sua lenda vive nas histórias contadas ao redor das fogueiras e nas sombras que dançam ao ritmo do vento. E quem conhece os segredos da floresta sabe que, em certos momentos, se escutar com atenção, talvez possa sentir a presença de Loureiro, sempre ao lado da esposa eterna: a mata.
Assim me contaram em um retiro de farinha da ilha.
- Coisas de Mayandeua.
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Projeto Musical e Literário Primolius N° 0107