*Nº 0050 - À FRENTE DAS RIBANCEIRAS DE MOCOOCA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Caboclo moldando a madeira com paciência e maestria, seus olhos atentos ao tronco robusto de tatajuba e cupiúba que repousam no fundo do quintal. Essas árvores, testemunhas do tempo, aguardam o destino de suas fibras: transformarem-se em canoas, remos ou redes, instrumentos de vida para os filhos de pescadores que vivem ao ritmo da maré.
Os filhos do mar, como são chamados, sabem ler as águas e entender seus sinais. Eles retrocedem e avançam conforme as ondas, conhecendo a força e o carinho das correntes que envolvem a ilha. A montaria, quase pronta, aguarda apenas os toques finais, enquanto a ternura da ilha ecoa em cada detalhe, desde o murmúrio dos igarapés até o balançar suave das folhas das palmeiras.
Essa terra fala por meio de glossários antigos, palavras gravadas nas marés temperadas, nos igapós e nas ilhas dispersas ao redor. Mayandeua, com suas margens direita e esquerda, acolhe existências pesqueiras que vivem em simbiose com as águas doces e salgadas. Nos remansos, onde o rio se aquieta, e nas marés, que vêm e vão como poesias líquidas, os habitantes tecem suas histórias.
Em Fortalezinha e Mocooca, o mesmo vento sopra, carregando consigo os murmúrios do grande mar à frente. Lá, os casquinhos - pequenas embarcações valentes - são arremessados contra as barrancas, como flechas de madeira que ousam enfrentar as águas frias e salgadas. "Três Marias", "São Raimundo", "Minha Deusa"... são mais que barcos, são corpos de madeira que cruzam esses caminhos aquáticos com a destreza e a coragem de seus construtores.
A busca é constante. Alentos, peixes, madeiras, frutos – tudo é recurso e sustento. Às vezes, a caça se faz necessária; em outras, é a pesca que chama, seja em alto-mar ou nas águas calmas, onde se pesca "no tronco", uma tradição antiga de paciência e espera. As horas parecem flutuar, quase dissolvidas no dia que vaga, sem pressa, na imensidão da natureza.
E no centro de tudo isso, ele... o caboclo. Figura central desse ciclo contínuo, ele se conecta com a terra, o mar e os céus em uma harmonia ancestral. Entre uma tarefa e outra, encontra prazer nas pequenas coisas, como curtir um turú – alimento extraído das profundezas do mangue, que leva consigo o sabor da terra e do mar.
O caboclo não apenas vive no ambiente; ele o integra, feito de madeira e sal, vento e água. Ele é parte da poesia das marés, do canto dos igarapés, e dos mistérios das ilhas.
Peixes, madeiras e frutos,
Vagueia a hora-dia...
No episódio..
Ele...
O “caboco” ...
- Á frente de tudo! Sempre!
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0050